Foto de mulher olhando o celular
Entrevista antes, currículo depois. Esta empresa quer mudar o recrutamento

Uma nova forma de recrutamento com inteligência artificial da China chegou ao Brasil. Confira como é o processo de seleção da Seedlink.

São Paulo – Em 1482, Leonardo Da Vinci estava procurando um emprego. Para isso, ele escreveu um documento apresentando suas habilidades ao Duque de Milão, Ludovico Sforza, e inventou o que hoje é considerado como o primeiro registro de um currículo na história.

Mais de 500 anos depois, esse ainda é o método mais comum para se candidatar a um emprego e ser notado por recrutadores.

Não que o currículo seja infalível: um estudo feito pela DNA Outplacement mostrou que 75% dos brasileiros mentem em seus currículos. E os pesquisadores americanos John E. Hunter e Frank L. Schmidt descobriram que mesmo os dados verdadeiros não são tão confiáveis assim para escolher os candidatos ideais para uma vaga.

Qual seria a melhor forma? Por meio de uma entrevista de emprego estruturada, quando o recrutador aplica perguntas específicas com o objetivo de encontrar as características essenciais para a vaga. Mas poucos candidatos chegam a essa etapa.

Com o avanço da inteligência artificial (IA), a Seedlink, empresa chinesa de tecnologia em Recursos Humanos, muda essa ordem e coloca a entrevista de emprego em primeiro lugar.

“Nós tentamos colocar o currículo em um momento diferente do processo, onde ele é mais útil. E queremos tornar possível a entrevista em larga escala, criando a chance de todos serem avaliados por uma ferramenta que relaciona as respostas com a melhor performance para a vaga”, explica Rutger Laman Trip, diretor da Seedlink, em entrevista exclusiva para a EXAME.

O diretor esteve no Brasil para fechar parceria com o Fesa Group e trazer a nova tecnologia ao mercado de trabalho do país. Agora disponível em português, e outros oito idiomas, a empresa já está presente em mais de 30 países.

A ferramenta entrou para o portfólio da FESA XFour, divisão que busca incentivar empresas disruptivas ligadas a recrutamento e seleção, para ser aplicado pelas empresas brasileiras.

No modelo de recrutamento da Seedlink, os profissionais precisam responder a três perguntas abertas, sem resposta certa ou errada. Então, a inteligência artificial lê e analisa a linguagem usada pela pessoa.

Diferente de chatbots e outros algoritmos para leitura de currículos que conseguem processar a informação escrita e relacionar palavras-chave a respostas programadas, a tecnologia chinesa vai mais fundo. Segundo o diretor, se o chatbot representar a superfície, a Seedlink faz uma interpretação quatro níveis mais aprofundada.

“Nossa tecnologia faz uma análise semântica das respostas. Olhamos coisas como: se a pessoa usa frases longas ou frases curtas, muitos pronomes e que tipo, mais palavras negativas ou positivas. Para ser mais tangível, se a pessoas usa mais ‘eu’ ou ‘nós’ e como isso pode mostrar uma inclinação para ser mais sociável. Essa é a ponta do iceberg das correlações que o programa pode fazer”, disse ele.

Além de selecionar usando características relevantes para o cargo, o algoritmo ajuda a eliminar o viés inconsciente humano da contratação e trazer perfis mais diversos para dentro das empresas.

“Nós olhamos para a competência através da linguagem que a pessoa usa, não olhamos para seu histórico, idade, cor da pele ou área de estudo”, comenta o diretor.

L’Oréal X Amazon

Na China, a seleção pela Seedlink mudou o perfil dos contratados pela L’Oréal. Com um mercado semelhante ao Brasil, cheio de jovens recém-formados competindo por vagas limitadas, boa parte das empresas usa como critério a reputação da universidade onde eles estudaram.

Com 33 mil candidatos para 70 vagas, a empresa de cosméticos leu o currículo de apenas 200 selecionados na última etapa do processo.
E o diretor de RH da empresa na China afirmou que um terço dos candidatos contratados eram de universidades que eles não teriam considerado antes, segundo reportagem na BBC.

O resultado é um contraste com o caso da Amazon, que criou um algoritmo com um viés que prejudicava mulheres no processo de seleção.

Para Rutger, esse é um bom exemplo de má administração de inteligência artificial.

“O que eles fizeram foi alimentar o algoritmo com lixo. Respeitosamente, acho que eles cometeram dois erros: primeiro, usaram dados de currículos, que discutimos como não são bons medidores; e segundo, eles usaram seus funcionários, que provavelmente eram 90% homens”, explica ele.

Na tecnologia da Seedlink, os especialistas em linguagem entram em contato com os responsáveis pelo RH da empresa para investigar quais competências são mais relevantes para o sucesso no cargo.

Depois, eles pegam dados de cerca de 50 funcionários e suas formas de expressar linguagem. Em duas semanas, eles criam um modelo treinado para reconhecer o padrão apresentado por aquelas pessoas.

A máquina olha para a forma como eles se comunicam e organizam suas ideias e deixa de lado títulos, gênero ou idade. No final, eles testam o sistema com outro grupo de 10 a 20 funcionários.

Com a IA mais complexa chegando ao Brasil e mais lugares no mundo, o diretor da Seedlink espera ver uma mudança positiva no futuro do trabalho e no recrutamento.

“No futuro, acho que vamos ver uma mudança na dinâmica. Hoje as pessoas se aplicam para um emprego. Acho que veremos pessoas se aplicando para empresas que amam e se encaixando na vaga que é mais adequada para seu perfil. Depois, no longo prazo, acho que teremos um quadro de vagas que esclarece para as pessoas opções onde elas atingiriam seu verdadeiro potencial”, fala ele.

Fonte: EXAME